Materiais Mágico - 01 - O isopor de rigidez flutuante

    Confesso que acabo passando mais tempo do que deveria nos Reels do Instagram. Não sei se é a quantidade ou o algoritmo personalizado, mas sempre me deparo com os mais variados "pulos do gato" e "esquemas" da construção civil. O mais recente que apareceu pra mim foi a ideia de colocar isopor entre a alvenaria e o concreto fresco durante a concretagem de vigas.

    A proposta tenta resolver um clássico conflito entre a teoria acadêmica e a prática de obra. Um princípio básico para o correto dimensionamento e funcionamento de peças de concreto armado é que elas devem ser escoradas até o fim da cura, e, após isso, devem deformar para absorver os esforços de serviço.

    Mas formas e escoramentos dão trabalho. Custam caro. E aí, como bom brasileiro, seu Zé Pedreiro chegou a uma conclusão lógica: por que não usar a parede como escora? Resolve dois problemas de uma vez: apoia a viga e ainda economiza forma inferior.

    A ideia, à primeira vista, até parece boa — se não fosse por um detalhe: a parede de alvenaria é extremamente rígida. Isso significa que, mesmo após a cura do concreto, ela continua funcionando como apoio. Resultado: a viga não deforma, não absorve os esforços e o comportamento da estrutura foge completamente do que foi projetado.

    Aí alguém pode argumentar — como já ouvi diversas vezes: “E daí? A casa continua de pé!” — o que, de fato, é verdade. Mas na engenharia, o sarrafo é mais alto. 

Antes de mais nada, pra um engenheiro, uma estrutura já está falhando muito antes da ruína total. O simples indício de colapso já é um problema sério. 

    Segundo: o papel da engenharia não é fazer uma ponte que simplesmente fique em pé. Com recursos infinitos, qualquer um faz isso. O papel da engenharia é fazer uma ponte que mal se sustenta — ou seja, que usa somente o necessário, com precisão, economia e segurança. E é por isso que apoiar a viga sobre a alvenaria é um problema: na melhor das hipóteses, teremos uma viga superdimensionada desperdiçando dinheiro; na pior, surgirão patologias graves, com risco de colapso, já que ninguém verificou se a alvenaria suporta a carga que está recebendo.

      Voltando à solução com isopor: qual é o problema nisso, especialmente sendo proposta por um técnico? Para que o isopor realmente resolvesse a questão, ele teria que ser rígido o bastante durante a concretagem para absorver os esforços da viga, e depois — como mágica — perder essa rigidez após a cura, permitindo a deformação necessária. Infelizmente, materiais com rigidez flutuante ainda não foram inventados.

    O  que de fato acontece ao se colocar isopor entre a alvenaria e a viga? O material, por ser pouco rígido, deforma até transmitir o esforço para a parede abaixo — e é justamente essa parede rígida que, mais uma vez, assume o papel de escora permanente.

    No fim das contas, estamos diante de mais um caso de alguém tentando dar o famoso “jeitinho” para escapar do que realmente precisa ser feito. Achar que existe uma mágica que faça essa solução funcionar demonstra um desconhecimento básico dos pilares que sustentam a engenharia.

    A resposta é simples: trate a estrutura como ela foi projetada. Se for concreto armado, use formas e escoras. Se vai apoiar em alvenaria, então projete a viga com base nisso. É com engenharia — e não com misticismo ou achismo — que se garante o desempenho das nossas obras.

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